Nunca tinha sabido que fora um dos fundadores do Bloco de Esquerda, ou militante do Partido Comunista, ou tão pouco um jornalista e activista no Médio Oriente; tudo isto fiquei a saber hoje, ao ler um texto de homenagem escrito por Francisco Louçã e publicado nas redes sociais. No entanto, sempre tive algum tipo de apreço especial pelo senhor, uma estima, um respeito particular que não tenho por mais nenhum eurodeputado português (aliás, se mo perguntassem, nem saberia dizer o nome de nenhum outro). Há -- ou, diz a minha cabeça, havia -- naquela pessoa algo diferente, algo de boa-pessoa, de genuinidade e de dar-se à sua causa que se podia sentir à distância, mesmo sem saber de que maneira é que o homem agia efetivamente por essa causa. "Era um homem de esquerda, um activista, um grande eurodeputado português!", foi o que escrevi há coisa de duas ou três horas num sms a um amigo, a explicar-lhe porque esta notícia era tão tocante para mim e porque lha estava a dar de forma tão chocada. Mas não resume, nem de perto nem de longe, a vida espetacular deste homem, e tudo o que eu não sei. "Mas não precisamos de saber para sentir" e é aquilo que se sente que nos impele para a ação -- assim afirma João Semedo (do BE) em declaração para um jornal da noite: "Aquilo que é hoje para nós uma dor intensa, será amanhã um estímulo para continuarmos a fazer o que ele fez.". Mas não é fácil retomar à vida quando se presencia a morte.
Miguel Portas morreu de cancro do pulmão. Não sei se era fumador, não fui averiguar nem penso que seja pertinente fazê-lo, o que lá vai, lá vai e, se ele eventualmente entrasse no reino dos céus (como julgo mais que merecido, embora ainda não exista tal lugar nem seu criador) não era por fumar que seria posto fora. Aliás, o próprio deus, num interminável stress de ter de gerir tamanha e complicada criação, precisaria certamente do seu cigarrinho de vez em quando, e não me admirava que convidasse por vezes algumas figuras públicas para fumar um charro no jardim do Éden, onde não haveria purificadores de ar -- porque, como se sabe, todo o ar no paraíso é continuamente purificado e, mesmo que não o fosse, pior já não fazia.
A verdade é que há certas coisas, das que nos acontecem, que parecem acontecer apenas para nos convencer de algo. O pior é quando essas "coisas" são o falecimento de alguém,
Afinal, tudo não passava de um impulso, aquela sensação de "será que consigo fazer o que os outros fazem mesmo que seja infantil, estúpido e inútil" que nos invade de cada vez que nos sentimos inseguros e sozinhos, e o certo é que a insegurança e a "solidão" têm sido os meus fiéis guarda costas desde setembro, salvo raras exceções em dias de muito riso ou quando voltei ao Forte. Dizem que não há dias felizes, apenas momentos felizes, ou que só nos apercebemos da felicidade quando olhamos para o passado, mas não é o que acontece comigo. Consigo sentir que me sinto feliz quando isso acontece, tal como consigo aperceber-me de que estou a sonhar durante certos sonhos (embora ainda não tenha tido paciência para treinar a sério este mind/dream induced lucid dreaming; aposto que deve ser uma experiência fascinante). Por isso, também consigo perceber quando não estou feliz, e sinto como se algo cá dentro não estivesse sintonizado correctamente. Não são as cores as mesmas? E os animais, as plantas? As estrelas e outros corpos celestes? Não sou eu e os outros exatamente como éramos há alguns meses atrás? Então, porque parece tudo tão deslocado, tão mais difícil, como se cada palavra exigisse um esforço que não me apetece fazer? Como se quisesse querer, mas não conseguisse... Como se houvesse um sono tão grande que doze horas por dia não conseguissem aplacar, mas que fosse rompido por momentos -- quando se vem à tona, sabe-se lá porquê! -- ganhos apenas com um sorriso e um "Olá, tudo bem" e um beijo dado a correr e às vezes, só muito raramente, uma pequena pétala de alegria e de calor por dentro. Como se passa à frente? Como se sintoniza uma mente na frequência certa quando não parece haver os estímulos certos? Quando é que eu aprendo a abrir a boca e a dizer palavras em que não penso, a fazer coisas que não programo e a não amar aqueles que me esqueceram?
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